20061107

atestado 1

sabes,
acordei cedo, com o gosto de nuvens na boca. estava já completamente lúcida quando faltei ao trabalho para ir vivê-las ao mar. mas, chegada, não as encontrei como as senti na boca e decidi continuar em direcção uterina. (sabes que o meu medo em olhar o chão levou-me a esta obsessão permanente em prever a rara aparição da nuvem pileus no topo dos cúmulos, a nortear-me pelo início dos cirros, a perder-me se o céu não se deixa partilhar nem com os rastos de aviões gelados.) Não foi necessário caminhar muito mais, as nuvens faziam a foz do rio como o mar faz a foz ao rio. não sei se me compreendes. não quero parecer po(t)ética, quero ser o mais lógica possível. usam-se as palavras adequadas para descrições e descreve-se, é fácil. então as nuvens. carbonizadas, densas, nítidas, perfeitamente finitas vindas do rio, elas mais negras, ele mercurizadamente branco, iluminado pelo céu que existe para além delas.
este sabor era o de um poderoso cumulonimbo. a luz era a das coisas do chão, reflectoras de tudo o que há por cima. e, sob o mar, um arrependimento de estrato com o silêncio do céu a permitir a beleza das nuvens.
se o rio trazia a tempestade eu iria pela tempestade e mergulharia nela até à calmia do mar. são assim os desportos radicais, foi-me dito.
choveu e eu fui.
portanto, se vires o meu trabalho, diz-lhe que não tenho pena nenhuma mas não quis ir e que só irei se for verão.

1 Comentários:

Blogger pinga preta disse...

encontrei o teu trabalho e ele disse-me que não te preocupasses. ele esperará por ti numa tarde de verão, com cheiro a sargaço e a rosas em botão.

8 de novembro de 2006 às 13:19  

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